domingo, 22 de julho de 2007

o líquido da verdade...

Com Heródites fora do reino (na verdade, foi buscar iluminação divina na sua terra natal) e Heráclides com muitos afazeres no Farol de Alexandria, acabei peregrinando, essas semanas, por várias tavernas com diferentes companhias. Mas uma coisa em comum entre elas: entornamos galões e mais galões do líquido sagrado em nossos cálices e discutimos acerca das coisas que fazem o mundo girar. Sabem, são confraternizações assim que as pessoas se mostram como realmente são. Uma das propriedades deste manjar etílico (talvez a mais conhecida) é fazer com que o bebedor se sinta a vontade com a situação e exponha todo o seu mundo para quem quer que seja sua companhia. Para o bem ou para o mal, as pessoas se deixam expor, deixando de lado todas as amarras que a sociedade possa ter imposto. É nessas horas, inclusive, que situações SINISTRAS se instalam (informações esparradas e sigilosas escapam, como "véi, sou travecquista!" ou então "já degustei sua EX-POSA").

Nada de medo, angústia ou pensar duas vezes antes de.. qualquer coisa. É nessa hora que vem a experiência, a sabedoria, o bom senso e talvez até um fígado sinistro (ou até mesmo um fígado cabuloso, véi) para saber dosar o teor de exposição que pode ser feita em determinado ambiente ou em determinada companhia. Mas nós, filósofos, temos um controle absoluto e incontestável sobre este ouro-líquido.

Assim, eu aqui registro um novo sinônimo desta bebida: o líquido da verdade.

(ah sim, este post é dedicado à todas as pessoas que perdem a linha quando bebem. é nóis,
véi.)

quarta-feira, 18 de julho de 2007

Iniciação


Aproximei-me.
Ela aguardava. Serena...
Sem que palavra alguma fosse experimentada
Entramos no Templo. Cada passo demorava-se
Tateando o chão.

A cortina espessa de silêncio rompeu-se
À presença de minha inquietude.

Mulher, que tens no cálice?

E um vento gélido atravessou as frestas,
Roçou nossas carnes e murmurou:

— Sorrisos frouxos e olhares gratuitos
Decoram faces amigas e desconhecidas.
Bem-vindo ao cárcere.
Ou à alcova das delícias.

Mulher, que tens no cálice?

— Dos seios virgens emanam mel e cicuta.
O abismo por trás da neblina é a morada calma
De passos vacilantes
Pouco afeitos à dureza da terra.

Sacerdotisa, Senhora do Templo, dizei-me...

De sua garganta brotou uma melodia
Impregnada de passado e futuro
Que ecoou e enroscou-se nas asas do vento,
Prendeu-me em seus braços crescentes,
Mergulhou pela porta entreaberta do Templo
E arrastou-me pela mata densa.

Enamorando-se da brisa noturna
Seu canto viajou longe...

Sobrevoou nobres recintos.
Desceu para assanhar folhas secas
Esquecidas numa praça órfã.
Visitou sarjetas profundas.

Dócil, deixou-se levar
Pela inconseqüência sábia do vento...
Seguiu por becos asfixiados até avistar
Meninos magros, leves,
Que queimavam suas entranhas
Com os primeiros goles de rebeldia

— Não ousem aproximar que isso é ofício de gente vivida!

Subiu por paredes umedecidas pela chuva
Que há pouco viera satisfazer súplicas antigas,
Entrou pela janela
E deixou-se misturar, vagarosamente,
Ao suor morno de jovens enamorados
Ofegantes... Extasiados...
Desprendeu-se com o aroma fresco de rum
Que exalava do leito encharcado.

A doçura de seu timbre
Fez coro com o assovio cortante da ventania...

E lá do alto avistou um homem solitário,
Enraizado em sua cadeira de balanço,
O olhar desinteressado, as mãos conformadas.

Desceu e soprou-lhe lembranças amargas.
Lágrimas rolaram uma após a outra, e outra, e outra...
Sobre a face sulcada pelo tempo e pelas dores.
Banharam-lhe o peito, as mãos.
Gotas fartas transbordaram a taça com vinho
Para cobrir de um vermelho enegrecido
Velhas botas paralisadas.

Seduzido pela aurora que se anunciava,
O vento envolveu-nos em seu seio,
Secou as últimas lágrimas que teimavam em aflorar,
Afastou-se da magra criatura
E soprou na direção do Templo.

O canto ecoado encurtou seus longos braços
E escorreu para as profundezas da garganta da mulher.
Com seus olhos esguios a fitar
Minha face pálida, sentenciou

— Verdades estéreis, mentiras insalubres!
Não conhecerás o sabor espaçoso da liberdade
Até que mergulhes toda alma, toda razão
No cálice que agora tens nas mãos.

quinta-feira, 5 de julho de 2007

bebida faz mal ... quando falta.

Certo dia, nós, os três filósofos e a sacerdotisa espanhola, fomos convidados para prestigiar uma festa que reuniria os maiores cozinheiros de todo o reino. Muitas pessoas importantes estavam presentes, como escribas da corte, generais, antigos senhores feudais, ninfas ricas, puxa-sacos, almofadinhas, filhinhos de senhores feudais (filhinhos de papai), etc. Todos estavam pomposos, com seus melhores trajes de gala se impondo da maneira mais CABULOSA possível. Do lado de fora, encontrávamos as melhores carruagens e os melhores cavalos europeus.

Podíamos sentir uma aura de impecabilidade. Tudo estava virtualmente perfeito. A música celta ambiente, os servos encarregados das bebidas. Tudo. Nós passeamos pelas tendas de todos os cozinheiros famosos. Degustamos especiarias de várias cozinhas internacionais como a japonesa, a espanhola, italiana, etc.

Mas a melhor atração da noite foi uma bebida maltada escocesa de rótulo vermelho. Servida no gelo, esta nos fez filosofar como nunca. Passamos a noite à base desta maravilhosa bebida que, apesar de não ser a mesma coisa que o líquido sagrado, também DESCIA REDONDO D+, véi. O nome da bebida veio de um antigo e rico barão da Paraíba chamado Jãozim Andarilho que, por ter liderado uma revolta contra o rei Marek I, foi exilado na Escócia. Lá mudou de nome, virando assim, Johnnie Walker. E por lá, ficou conhecido por ter industrializado esta bebida que herdou seu nome (no futuro, a história de Jãozim Andarilho será, aqui, trovada).

Tudo corria bem na festa, até que, em um certo ponto, a bebida escocesa havia terminado. PÂNICO. CAOS. DESORDEM.

Correria pra lá e pra cá. Servos sendo questionados violentamente sobre a bebida. Convidados ilustres querendo arrombar as portas da cozinha. A situação estava CABULOSAMENTE SINISTRA (ou SINISTRAMENTE CABULOSA).

Foi quando percebemos que a Sacerdotisa Espanhola havia sumido. Procuramos por toda parte por ela e nada. Foi quando ela apareceu com um copo SINISTRAMENTE grande, cheio daquele líquido acobreado. Aproveitamos os últimos goles da bebida. As pessoas nos olhavam com FÚRIA e INVEJA estampadas em seus olhos.

Enquanto o caos tomava conta do recinto, rumamos ao norte.

Sacerdotisa Espanhola:
- Caros colegas, o que fazer agora, tendo em vista que o etanol não está mais presente entre nós?

Heráclides:
- Oh, minha amiga hispânica, levantaste a pior das dúvidas possíveis. Não há mais nada a se fazer, a não ser uma coisa.

Sacerdotisa Espanhola:
- E o que seria tal subterfúgio para nobres companheiros etílicos sem rumo, querido filósofo?

Heráclides:
- Embebedar-nos-emos na taverna mais próxima até nossos comentários e colocações se tornarem os mais sinceros possíveis.

Sacerdotisa Espanhola:
- Isso me comoveu deveras. Partiu forte.

Heráclides:
- É nóis.

Lição da noite: bebida faz mal ... quando falta.

etilicus maximus...


Nosso novo brasão. Logo, logo postaremos mais uma aventura etílica para vocês, caros leitores, a degustarem. Por enquanto, fiquem com uma das inúmeras receitas do líquido sagrado:

CERVEJA PILSEN

Matéria-prima
Malte Pilsen (100%)
Água: manter abaixo de pH 7,0 (acidificá-la se necessário)

Processo de mosturação
- Moer o malte
- Misturar 1 kg de malte em 4 litros de água
- Manter a temperatura inicial de mosturação de 45 graus Celsius por 30 minutos
- Elevar a temperatura a 64 graus Celsius e manter por 30 minutos
- Elevar a 72 graus Celsius e manter por 30 minutos
- Elevar a 75 graus Celsius e filtrar

Fervura do mosto
- Ferver o mosto filtrado por 90 minutos até que o teor de açúcares atinja 11 – 12%.
- O percentual de álcool se situará entre 4,5% e 5,5%, dependendo do grau de atenuação final.
- O lúpulo deverá ser adicionado de modo que se obtenha entre 25 e 35 IBU (unidades de amargor). Para o paladar brasileiro deverá se situar entre 10 e 15 IBU. De acordo com o tipo de lúpulo e seu teor de ácidos-alfa, deve-se adicionar maior ou menor quantidade.
Pode-se adicionar lúpulos do tipo Saaz, Tettnanger, Spalt, Hersbrucker, Hallertau, Nugget, Cluster, Perle. A adição pode ser feita em duas vezes: a primeira no início da fervura e a segunda 10 minutos antes de seu término.

Fermentação e maturação
- Utilizar levedura de baixa fermentação (tipo Lager)
- Efetuar a fermentação a temperaturas entre 10 e 12 graus Celsius, reduzir a temperatura a 3 graus Celsius quando o extrato atingir aprox. 4% e manter por dois dias. Resfriar e manter então em torno de 0 grau Celsius e +1 grau Celsius por no mínimo duas semanas.

(receita por Matthias R. Reinold)


Após ler atentamente à receita do manjar dos deuses conclui-se que é mais fácil ir ali no boteco.