quarta-feira, 18 de julho de 2007

Iniciação


Aproximei-me.
Ela aguardava. Serena...
Sem que palavra alguma fosse experimentada
Entramos no Templo. Cada passo demorava-se
Tateando o chão.

A cortina espessa de silêncio rompeu-se
À presença de minha inquietude.

Mulher, que tens no cálice?

E um vento gélido atravessou as frestas,
Roçou nossas carnes e murmurou:

— Sorrisos frouxos e olhares gratuitos
Decoram faces amigas e desconhecidas.
Bem-vindo ao cárcere.
Ou à alcova das delícias.

Mulher, que tens no cálice?

— Dos seios virgens emanam mel e cicuta.
O abismo por trás da neblina é a morada calma
De passos vacilantes
Pouco afeitos à dureza da terra.

Sacerdotisa, Senhora do Templo, dizei-me...

De sua garganta brotou uma melodia
Impregnada de passado e futuro
Que ecoou e enroscou-se nas asas do vento,
Prendeu-me em seus braços crescentes,
Mergulhou pela porta entreaberta do Templo
E arrastou-me pela mata densa.

Enamorando-se da brisa noturna
Seu canto viajou longe...

Sobrevoou nobres recintos.
Desceu para assanhar folhas secas
Esquecidas numa praça órfã.
Visitou sarjetas profundas.

Dócil, deixou-se levar
Pela inconseqüência sábia do vento...
Seguiu por becos asfixiados até avistar
Meninos magros, leves,
Que queimavam suas entranhas
Com os primeiros goles de rebeldia

— Não ousem aproximar que isso é ofício de gente vivida!

Subiu por paredes umedecidas pela chuva
Que há pouco viera satisfazer súplicas antigas,
Entrou pela janela
E deixou-se misturar, vagarosamente,
Ao suor morno de jovens enamorados
Ofegantes... Extasiados...
Desprendeu-se com o aroma fresco de rum
Que exalava do leito encharcado.

A doçura de seu timbre
Fez coro com o assovio cortante da ventania...

E lá do alto avistou um homem solitário,
Enraizado em sua cadeira de balanço,
O olhar desinteressado, as mãos conformadas.

Desceu e soprou-lhe lembranças amargas.
Lágrimas rolaram uma após a outra, e outra, e outra...
Sobre a face sulcada pelo tempo e pelas dores.
Banharam-lhe o peito, as mãos.
Gotas fartas transbordaram a taça com vinho
Para cobrir de um vermelho enegrecido
Velhas botas paralisadas.

Seduzido pela aurora que se anunciava,
O vento envolveu-nos em seu seio,
Secou as últimas lágrimas que teimavam em aflorar,
Afastou-se da magra criatura
E soprou na direção do Templo.

O canto ecoado encurtou seus longos braços
E escorreu para as profundezas da garganta da mulher.
Com seus olhos esguios a fitar
Minha face pálida, sentenciou

— Verdades estéreis, mentiras insalubres!
Não conhecerás o sabor espaçoso da liberdade
Até que mergulhes toda alma, toda razão
No cálice que agora tens nas mãos.

Um comentário:

Manuela López disse...

BELO!

SOBERBO!!!!








...
FIQUEI SEM PALAVRAS, DE VERDADE.
QUE COISA MAIS LINDA, ACARICIOU MEUS OLHOS, FEZ MASSAGEM NO MEU CÉREBRO...


LINDO DEMAIS, AVIMARIA! ;]