sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Apocalipse

Sabe aquele dia em que tudo tá desarranjado? A vaca foi pro brejo, a casa caiu, o tempo fechou, a coisa ficou preta, o caldo entornou, o barraco desabou, o trem desandou de vez. Você olha pra cima, em sinal de súplica, e, boquiaberto, ouve:
— Nem vem, me deixa fora dessa!
Ao menor movimento para estabelecer aproximação com forças alternativas, o anfitrião lá embaixo dispara:
— Pô, cara, leva a mal não, mas tô ocupadão com uns supliciozinhos aqui.
Deixado de lado pelos céus e pelo Coisa-ruim em pessoa, resta somente a dura constatação:
— Agora lascou bonito!...

Meu amigo, minha amiga, nesses dias, o importante mesmo é serenar a mente, porque realmente a coisa tá feia pro seu lado.

Eis que este ser humano, humilde filósofo que ousa grafar estas vagas linhas, volta e meia se depara cercado em cenário tão fúnebre. Mas, recentemente, já não bastasse o fato de que o inferno seria fichinha diante de tanta bagaceira, aconteceu o inesperado, o improvável, o inominável — este, aliás, tem nome, sim. Na verdade, codinome: Lei Seca (Ouvem-se uivos, murmúrios por toda eternidade, ao se pronunciar este oráculo impronunciável... Doravante, referir-nos-emos a essa coisa simplesmente como LS).

E foi ela, temível LS, a culpada pela escassez do único antídoto para todos os males, aquele que proporciona calor mesmo no frio lascado, sabedoria diante de bobagens intermináveis, graça e beleza diante da feiúra inegável, aquele que põe o cara lá em cima mesmo quando ele se sente o pior dos vermes. Ele! O Líquido Sagrado! Óóóhhhh... (Nem adianta vir com a gracinha de que Líquido Sagrado também pode ser LS. É só não abreviar. O negócio é alongar, esticar: a noitada, a rodada de chopp... entende?).

Olha, tem gente por aí dizendo que isso só pode ser coisa do Maligno. Ele seria o responsável por trocadilho tão sem graça. Mas o próprio Cão-tinhoso, em nota oficial, negou ter qualquer envolvimento com o caso. Pois é, meu amigo-minha amiga, pelo visto, nem mesmo ele seria capaz de tamanha traquinagem.

“E o que fazer, então, óh!, Sabedoria Infinita?!”, bradam homens sedentos e mulheres desesperadas por um gole (mais precisamente, goles, e de preferência seguidos um do outro). “Como atravessaremos este vale de sofrimentos sem a abundância salvadora do Líquido Sagrado?!”.

Antiqüíssimos profetas previram estes dias sombrios: “Vejo um tempo de lamúrias”. — pausa, silêncio profundo... — “Um tempo de lamúrias sem fim! O Líquido Sagrado não estará presente nem no dia, nem na noitada, nem na madrugada de seres errantes e etílicos...”. Por fim, num tom de luz no fim do túnel, a voz rouca sentenciou: “Alcovas serão templos...”.


Foram séculos de longos estudos, desencontros de idéias, debates acalorados, empurra-empurra. Enfim, o enigma se desfez. “Alcovas serão templos”. Putz, é isso, cara! A adoração ao Líquido Sagrado acontecerá, de agora em diante, na moita! Mas, cuidado: se sair da moita cambaleando, os guardiões da LS vão chegar a ripa sem dó.

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